Benditos os que de mim sentem repulsa (as dark as it can be)
Falei-te dos tempos que não eram negros. Os dias em que fui um dos outros.Falei-te da era que se seguiu. Das nuvens que me assombraram e dos tombos que me deram as cicatrizes que carrego. Falei-te dos tempos em que descobri do que sou feito e das coisas de que sou capaz. Dos momentos em que me olhei ao espelho e me apercebi que não podia pertencer ao mundo comum. Mas ao mundo dos vermes que se alimentam de sentimentos de outros. E dos tempos em que - finalmente como Monstro - me decidi recolher.
Falei-te de castelos e dos cortinados que me cobrem. Falei-te da discreta janela que existe neste Torre. De onde contemplo tudo o que é belo, lá fora. E que serve de barreira entre esse mundo e o asco que aqui habita. Falei-te dos seres que me visitam... que atraio... que magoei e esmaguei, impotente contra a minha Natureza. E julgo que percebes, então, porque digo que os Monstros estão destinados a esconderijos. Separados, isolados de tudo o que é vivo e belo.
O destino que me foi traçado é este. O de me separar do que pretende ser livre e vivo. O destino é a solidão. O sono. E tudo o que me pode rodear é inanimado. Morto. Apenas o que não pulsa se pode dar ao luxo de se aproximar dos que são como eu. E tudo o que vive e se aproxima, ou se arrepende ou se petrifica. E já me habituei, na verdade, a gostar deste deserto entre paredes. A apaixonar-me pelo que não pode ter alma. A amar o que não tem vida. É bem mais fácil assim...
Benditos os seres que de mim sentem repulsa. Benditos os que amei o suficiente para os afastar de mim.