O tremor gelado que sinto é apenas reflexo da minha prostração prolongada. Passam horas e o meu corpo enregelado não faz qualquer movimento. As únicas coisas que sinto são pequenos espasmos e princípios de cãibras. Os estores estão completamente corridos e sinto-os soluçar. Estão encharcados e frios, e também não querem saber de mim.
Não há vizinhos. Toda a gente se quis ir embora daqui. Para outro lado. Ninguém mais quer partilhar, sequer, a rua onde vive aquele ser nojento, que se alimenta de sentimentos. A chuva incessante - dizem - é um choro sem fim por ele provocado. Que estupor cruel e nojento que se ficou ali. "Deixa as pessoas em paz, ouviste? Deixa toda a gente em paz!" - arriscaram nervosos. "Enfia-te num poço bem fundo, sua besta, onde não consigas fazer mal a ninguém!" - ouvi dentro deste quarto no intervalo das pedradas que atiravam. Mas nunca fechei os olhos. Estive sempre a tremer e sempre de olhos abertos... mesmo agora que os oiço subir as escadas, lá fora, em direcção à minha porta e janelas. Estou aqui, petrificado, mas resignado, porque não sei o que fazer. Querem que eu pague pelo que fiz... e pagarei. Não me arrependo nem um pouco, e repetia tudo da mesma forma. "Nem sequer te arrependes, ser nojento?!?! Nem sequer isso?! Então vamos a isto... vamos certificar-nos que não voltas a sair daí... e que nunca mais magoarás ninguém! Nunca mais terás ninguém!" - rogaram, enquanto se acercaram da janela deste quarto, com tábuas, pregos e martelos em punho.
E aqui ficarei, enclausurado. Contido. Aqui sofrerei sozinho. E não farei mal a mais ninguém...