sexta-feira, julho 10, 2009

Sem testemunhas

[Tu não sabes, nem eu quero que saibas, o que tem sido.]

Da agonia prostrada de um Monstro que se recolheu sozinho, sobressai ainda o horror profundo de ter que viver com ele próprio.

Dentro daquela casa, os passos que se ouvem têm hoje sempre a mesma cadência. E são agora acompanhados por mais nenhuns. Mais leves. Mais breves. Idos. Apenas os seus próprios. Arrastados. Vagarosos. Pesados. Infames. Deambulam gravemente por cada divisão.

O ar, denso e doentio, não se deixa dissolver pelo vento que entra livremente. As janelas, lá em cima naquela Torre, estão partidas e abandonadas. Lá, os silêncios a dois, de contemplação, ao som dos copos cheios e dos cigarros, já não existem. A toada continua baixinha e impregnada de fumo e álcool, mas quem ali vive sabe que não soa ao mesmo (ora, deixa-te de merdas, que sabes bem que os silêncios bons são apenas os partilhados - dito de mim para mim, bem entendido).

A casa já não vive de dia. E longe vão os tempos em que a repugnância deste ser passava de sala em sala, à tua procura, e te encontrava no quarto mais luminoso, envolta nos cortinados quase transparentes. Esses, agora, são negros e opacos. As salas estão fechadas, escuras e não querem saber de mim. O chão levantou e range ferozmente, em protesto, à minha passagem. Foge da minha sombra desacompanhada. As paredes, vazias, apodrecem e estão surdas. Os tectos curvam-se e tentam chegar ao piso de baixo. Àquele onde não estou.

Mais uma esquina dobrada, e mais um canto com a tua ausência. Horas são as que passo em frente à porta do teu quarto, a imaginar de como era quando tinha gente dentro. A porta está fechada. Selada. Para sempre.

O eco, da ponta oposta, é trémulo e longínquo. Ele mesmo vai chegando cada vez mais a medo. De repente, um pontapé numa garrafa vazia perturba a quietude momentaneamente. E o silêncio regressa. Persistentemente.

Afasta-se o cortinado roxo da janela, mas ninguém se vê passar. E nem sequer será pelo rigor invernoso de meses passados. Esta, é a mais pura solidão. Cruelmente resumida.



Não há desgosto maior do que ver tudo isto esvair-se.
Sem testemunhas.

14 Comments:

At 10 julho, 2009 15:05, Blogger Annabel Lee said...

Este comentário foi removido pelo autor.

 
At 10 julho, 2009 19:02, Blogger Escabroso said...

:\

 
At 12 julho, 2009 17:50, Blogger Annabel Lee said...

Este comentário foi removido por um gestor do blogue.

 
At 30 julho, 2009 14:35, Blogger mitro said...

Agora tens uma amigo...

(Escreves muito bem, os meus parabéns!)

 
At 30 julho, 2009 19:31, Blogger Escabroso said...

Thanks. :)

 
At 31 julho, 2009 08:46, Blogger Frankie said...

Poderosas as tuas palavras, como sempre.
E dolorosamente belas.

 
At 04 agosto, 2009 00:43, Blogger Annabel Lee said...

Este comentário foi removido pelo autor.

 
At 06 agosto, 2009 19:17, Blogger Fata Morgana said...

A tua torre não me é estranha... Há um lugar parecido dentro de mim, onde eu vou às vezes para tentar fugir para sempre. Mas é um esforço vão :)

Não achas que o buraco era capaz de ser insuportável? Estou a falar a sério... Saberias outra forma de viver? Eu não. Mas magoa imenso.

Um beijo meu.

 
At 07 agosto, 2009 15:43, Blogger Escabroso said...

Obrigado Frankie e Anna. :)



Morgana,

Seria insuportável lá estando. Sempre a querer "estar da maneira que não estou".

 
At 07 agosto, 2009 15:44, Blogger Escabroso said...

Ah!, *

 
At 22 agosto, 2009 20:17, Blogger film-m k said...

a tua torre parece abandonada :|

beijos

 
At 24 agosto, 2009 23:50, Blogger Escabroso said...

Dear Filmy,

É melhor assim, por agora. ;)

*

 
At 25 agosto, 2009 21:42, Blogger Annabel Lee said...

Este comentário foi removido pelo autor.

 
At 28 agosto, 2009 13:01, Blogger Annabel Lee said...

Este comentário foi removido pelo autor.

 

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